Alvores do Renascimento

Em 1426, Florença espantava-se com o novo fresco na grande igreja dominicana de Santa Maria Novella. Onde estivera uma parede plana, fol criado um espaço arquitectónico através de um assombroso artificio. Nele, tudo convergia para uma figura do Cristo de um realismo inédito. Aos olhos dos contemporâneos, habituados a figuras rigidas ao estilo bizantino, que pareciam flutuar num espaço intemporal e Intangivel, o que Masaccio criara com a sua Santissima Trindade era algo de novo e até mesmo chocante: um corpo humano, naturalista, perfeitamente ancorado num espaço palpável, mensurável, e tridimensional. Era todo um paradigma que se alterava.

Se aos olhos dos contemporâneos a Trindade era, de facto, impressionante, não o fol menos aos olhos dos historiadores da arte: durante séculos, a história do primeiro Renascimento começava aqui, em Florença, com este mesmo fresco. Era a história da descoberta e do aperfeiçoamento da perspectiva linear, da recuperação de modelos arquitectónicos de proporções clássicas, como a arquitectura Brunelleschiana que rodeia o Cristo de Masaccio, do estudo da anatomia e da natureza, do humano, do individual, como medida e centro de todas as coisas. A nova prosperidade de Florença permitia que Masaccio, Donatello, Ghiberti e Brunelleschi inaugurassem uma época, a do génio artístico, que culminaria. no final de Quatrocentos, naquela mesma cidade, com a imagem de uma figura humana literalmente colocada, conceptualmente, no centro do universo por Leonardo da Vinci.

Se a história, de uma antiguidade perfeita após longos séculos de barbárie, como a contava Vasari, foi sendo contestada, se admitimos hoje que não houve uma idade das trevas, que a Flandres assistiu a um renascimento pictórico tão importante quanto o italiano, que não se pode falar dos génios sem prestar atenção às condições em que trabalhavam, nada disto apaga a novidade daquele século, o primeiro em que nos reconhecemos, como individuos, como homens modernos.

Vasari conta uma outra história, a de Paolo di Donno, chamado Ucello porque amava os pássaros, e a tal ponto obcecado que se esquecia de comer, respondendo aos apelos da esposa com exclamações sobre a beleza da perspectiva. A Batalha de San Romano parece-nos hoje antiga, estranhamente artificial, travada entre cavalos de chumbo e soldados de brincar: a “intoxicação” de Ucello com a perspectiva linear levava à aparente exclusão de tudo o resto: cor, atmosfera, sombra, pormenor. Também esta é a história do Renascimento, a de um século em que um homem podia permitir-se ser invadido pelas ideias: a perda da realidade na busca ardente do real.

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informação do livro

Os Alvores do Renascimento de Cinzia Caiazzo. Público Comunicação Social. Porto, 2006, 431 págs. Mole.

Em 1426, Florença espantava-se com o novo fresco na grande igreja dominicana de Santa Maria Novella. Onde estivera uma parede plana, fol criado um espaço arquitectónico através de um assombroso artificio. Nele, tudo convergia para uma figura do Cristo de um realismo inédito. Aos olhos dos contemporâneos, habituados a figuras rigidas ao estilo bizantino, que pareciam flutuar num espaço intemporal e Intangivel, o que Masaccio criara com a sua Santissima Trindade era algo de novo e até mesmo chocante: um corpo humano, naturalista, perfeitamente ancorado num espaço palpável, mensurável, e tridimensional. Era todo um paradigma que se alterava.

Se aos olhos dos contemporâneos a Trindade era, de facto, impressionante, não o fol menos aos olhos dos historiadores da arte: durante séculos, a história do primeiro Renascimento começava aqui, em Florença, com este mesmo fresco. Era a história da descoberta e do aperfeiçoamento da perspectiva linear, da recuperação de modelos arquitectónicos de proporções clássicas, como a arquitectura Brunelleschiana que rodeia o Cristo de Masaccio, do estudo da anatomia e da natureza, do humano, do individual, como medida e centro de todas as coisas. A nova prosperidade de Florença permitia que Masaccio, Donatello, Ghiberti e Brunelleschi inaugurassem uma época, a do génio artístico, que culminaria. no final de Quatrocentos, naquela mesma cidade, com a imagem de uma figura humana literalmente colocada, conceptualmente, no centro do universo por Leonardo da Vinci.

Se a história, de uma antiguidade perfeita após longos séculos de barbárie, como a contava Vasari, foi sendo contestada, se admitimos hoje que não houve uma idade das trevas, que a Flandres assistiu a um renascimento pictórico tão importante quanto o italiano, que não se pode falar dos génios sem prestar atenção às condições em que trabalhavam, nada disto apaga a novidade daquele século, o primeiro em que nos reconhecemos, como individuos, como homens modernos.

Vasari conta uma outra história, a de Paolo di Donno, chamado Ucello porque amava os pássaros, e a tal ponto obcecado que se esquecia de comer, respondendo aos apelos da esposa com exclamações sobre a beleza da perspectiva. A Batalha de San Romano parece-nos hoje antiga, estranhamente artificial, travada entre cavalos de chumbo e soldados de brincar: a “intoxicação” de Ucello com a perspectiva linear levava à aparente exclusão de tudo o resto: cor, atmosfera, sombra, pormenor. Também esta é a história do Renascimento, a de um século em que um homem podia permitir-se ser invadido pelas ideias: a perda da realidade na busca ardente do real.

Peso 1750 g

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