Título: Mesopotâmia
Autor: António Rebordão Navarro
Edição: DIFEL
Ano: 1985
Páginas: 189
Encadernação: Mole
Capa: Rogério Petinga
Depósito Legal: 8019/15
Mesopotâmia
Mesopotâmia
Mudava de vestido (mudar de vestido era um cerimonial delicado de divisão do dia), espalhava o pó-de-arroz na cara, passava nos lábios finos um pouco de bâton, retirava do queixo com a pinça um pêlo enraivecido, com a pinça depilava as sobrancelhas, com o vaporizador derramava perfume sob as orelhas e pelo pescoço, enfiava escravas no pulso esquerdo, colocava e retirava, hesitante. os anéis no anular e no mínimo de uma das mãos e um só, muito discreto ou muito valioso no mindinho da outra. E acertava com as pontas dos dedos o vestido de seda tinha de o mandar brunir, estava castigado da viagem na mala-face ao espelho do imponente, mastodôntico guarda-fato. Reconhecia ainda na imagem devolvida um corpo que sessenta anos não tinham degradado. E a consciência disso era-lhe naturalmente. Era, como o vago aroma da essência que se espalhara peto quarto. Ainda no Inverno anterior descendo a Rua de Santo António, um homem perseguira o seu rastro. E ela, para não quebrar o sortilégio, erguera até ao colossal nariz a gola forrada a astraca do seu casaco comprido. Às vezes, receosa de perigar em imaginação, parava em frente de vitrinas idiotas destituídas para uma senhora de qualquer interesse, máquinas de escrever, artigos desportivos, peças para automóveis, ou, com mais audácia, voltava a cabeça, constatando com gáudio tão adolescente como- pecaminoso que o cavalheiro persistentemente pautava os seus passos pelos dela.
6,00 €
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informação do livro
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Assinatura de posse.
Mudava de vestido (mudar de vestido era um cerimonial delicado de divisão do dia), espalhava o pó-de-arroz na cara, passava nos lábios finos um pouco de bâton, retirava do queixo com a pinça um pêlo enraivecido, com a pinça depilava as sobrancelhas, com o vaporizador derramava perfume sob as orelhas e pelo pescoço, enfiava escravas no pulso esquerdo, colocava e retirava, hesitante. os anéis no anular e no mínimo de uma das mãos e um só, muito discreto ou muito valioso no mindinho da outra. E acertava com as pontas dos dedos o vestido de seda tinha de o mandar brunir, estava castigado da viagem na mala-face ao espelho do imponente, mastodôntico guarda-fato. Reconhecia ainda na imagem devolvida um corpo que sessenta anos não tinham degradado. E a consciência disso era-lhe naturalmente. Era, como o vago aroma da essência que se espalhara peto quarto. Ainda no Inverno anterior descendo a Rua de Santo António, um homem perseguira o seu rastro. E ela, para não quebrar o sortilégio, erguera até ao colossal nariz a gola forrada a astraca do seu casaco comprido. Às vezes, receosa de perigar em imaginação, parava em frente de vitrinas idiotas destituídas para uma senhora de qualquer interesse, máquinas de escrever, artigos desportivos, peças para automóveis, ou, com mais audácia, voltava a cabeça, constatando com gáudio tão adolescente como- pecaminoso que o cavalheiro persistentemente pautava os seus passos pelos dela.
Peso | 260 g |
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