Dark Romance: entre a controvérsia e a tradição literária

Nos últimos tempos, tem-se falado muito do chamado Dark Romance, um subgénero da literatura romântica que explora relações intensas, por vezes tóxicas, com temas como obsessão, controlo e redenção. São livros que incomodam uns e fascinam outros — e, como tantas vezes acontece com a literatura, é precisamente nesse desconforto que se revela parte da sua força.


Mas será esta polémica assim tão nova?

Livros incómodos sempre existiram


Antes do Dark Romance, outros livros escandalizaram, perturbaram ou dividiram opiniões. Basta lembrar títulos como Viagem ao Mundo da Droga, de Charles Duchaussois, ou Os Filhos da Droga, de Christiane F. Estes livros mostraram realidades duras — dependência, criminalidade, degradação — e foram acusados, à época, de “incentivar” comportamentos de risco. Hoje são vistos como testemunhos necessários, alertas poderosos sobre os perigos de certos caminhos.


Mesmo O Perfume, de Patrick Süskind, uma obra de culto, apresenta-nos um protagonista serial killer que mata para capturar aromas. Numa primeira leitura, parece inconcebível sentirmo-nos intrigados por alguém assim. Mas a literatura nunca nos pediu moralidade simples — pede-nos reflexão.

E os nossos clássicos?


A polémica também não passou ao lado da literatura portuguesa. Os Maias, de Eça de Queirós, têm incesto. O leitor passa centenas de páginas a acompanhar a paixão entre Carlos e Maria Eduarda para, só mais tarde, descobrir que são irmãos. Eça constrói esta revelação de forma brilhante, mas o choque é inegável.


Outro exemplo é o Crime do Padre Amaro. Eça não só critica duramente a Igreja como retrata a relação sexual entre um padre e uma jovem — que termina com a morte do filho ilegítimo. Escândalo garantido, sobretudo na época da sua publicação. Ainda assim, é um dos romances mais importantes da nossa literatura.

Dark Romance: escapismo ou alerta?


O Dark Romance é acusado, por vezes com razão, de romantizar comportamentos abusivos. No entanto, como leitores, também somos chamados a distinguir entre o que é fantasia e o que é realidade. Muitas autoras que escrevem dentro deste género fazem questão de deixar isso claro. O que acontece nas páginas não deve ser replicado na vida — e, por vezes, o desconforto serve para pôr o dedo na ferida, tal como o fizeram obras anteriores.


É importante ler com espírito crítico — e também com alguma memória. A literatura sempre foi lugar de confronto, de abalo, de ideias desconfortáveis. Os livros que hoje nos parecem respeitáveis foram, em muitos casos, alvo de censura, escândalo e reprovação pública.

No fim, continua a ser literatura


Debater os limites da ficção é saudável. Mas cancelar géneros inteiros pode ser uma forma perigosa de apagamento cultural. O Dark Romance, com todos os seus excessos e imperfeições, não é o primeiro a provocar desconforto — e dificilmente será o último.


Talvez o mais importante seja recordar que os livros não existem para nos confortar — existem, muitas vezes, para nos fazer pensar.

Nota de rodapé

Neste artigo, optámos por explorar o fenómeno do Dark Romance através de uma lente mais ampla e acessível, comparando-o com obras que, geraram polémica e debate noutras épocas. Quisemos fugir do de abordar este género literário apenas com outras obras similares como Fanny Hill, Lolita ou as obras de Henry Miller e Anais Nin.